O título do artigo, pinçado do evangelho de Mateus, 7:21, é um convite a se associar a palavra às atitudes, no cotidiano. Jesus, nessa passagem, deixa claro que não é o vínculo a essa ou àquela denominação religiosa que define a plenitude do indivíduo. O fundamental é a vinculação aos fundamentos éticos e morais que norteiam a Boa Nova.
Vive-se no tempo em que a demagogia e a hipocrisia permeiam os espaços religiosos com amplas repercussões sociais e políticas. A sociedade brasileira, idêntica a um navio naufragado, segue ao sabor das ondas com destino incerto.
Essa mesma sociedade, sincrética e atordoada, ouve aos quatro cantos do Brasil estertores vindos de púlpitos religiosos e políticos, seguidos de gestuais catatônicos e uma musicalidade terrorífica, sob a alegação de serem os escolhidos de Deus. Heresia à parte, associa-se, a tudo isso, crimes de todas as ordens, que com certeza, os íncubos e súcubos da Idade Média corariam de vergonha. Tudo isso sob a inspiração de Deus.
Essas peripécias requisitam a frase célebre de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), escritor, ensaísta e filósofo americano: “Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz.”
Já o apóstolo Paulo, escrevendo à comunidade de Coríntios (14:7), recomenda: “Da mesma sorte, se as coisas inanimadas, que fazem som, seja flauta, seja cítara, não formarem sons distintos, como se conhecerá o que se toca na flauta ou na cítara? Ora, Paulo é didático. Se para as coisas inanimadas há essa exigência, imagine para os seres inteligentes da Criação (questão n.º 76, de O Livro dos Espíritos – L.E.)
A realidade é que a mentira se instituiu nas sociedades como a pós-verdade, além de outros eufemismos que alimentam as redes sociais através de um neologismo importado do Tio Sam, conhecido por “fake news”; em outros momentos, “fatos alternativos”.
No dia 28.05.2024, o Parlamento brasileiro, sob a liderança do conhecido “Centrão” (que de centro não tem nada), decidiu sob efusivas comemorações o veto à tentativa de se tipificar as “fake news” como crime de comunicação de massa, com pena de até cinco anos, se utilizadas para persuasão eleitoral, isso com apoio de parlamentares que representam congregações religiosas. O placar foi escandaloso para uma democracia. Na quarta-feira (29.05.2024), com certeza, houve, no Salão Negro do Congresso, um culto promovido pela Frente Parlamentar Evangélica, contrariando o conceito de Estado laico, louvando, sob cânticos, Senhor! Senhor! É a heteronomia que caracteriza as sociedades da cultura de massa. É a dissociação entre o falar e o agir, principalmente no processo da comunicação.
Para essa situação esdrúxula do parlamento brasileiro, ao estudar o bem e o mal, Martin Buber (1878-1965) filósofo, escritor e pedagogo, austríaco e naturalizado isralense, considera que quem escolhe a mentira em vez da verdade, intervém com sua decisão diretamente nas decisões na luta do mundo. Mas, diz ele, isto produz efeito em primeiro lugar examente no seu ser: uma vez que se entregou à mentira do ser, portanto ao não-ser, que se arvora em ser, cai em poder dele (o senhor dos demônios). Portanto, não há nada a comemorar como visto no Congresso Nacional.
Quem define muito bem esse sectarismo disfarçado de religião, denominado neopentecostalismo – aqui registro o respeito a todos os fiéis –, com destaque às principais lideranças, é o ativista francês, Félix Guattari (1930-1992):
“No Terceiro Mundo, como no mundo desenvolvido, são blocos inteiros da subjetividade coletiva que se afundam ou se encarquilham em arcaísmos, como é o caso, por exemplo, da assustadora exacerbação dos fenômenos de integrismo religioso”.
O Brasil se encontra nesse labirinto de inverdades, associadas ao fanatismo e aos fundamentos religiosos retrógrados, onde a democracia se asfixia em pautas exclusivamente moralistas, de hábitos e costumes, em nome da tradição.
Jesus fortalece o seu convite no título em outro momento (Mateus, 5:37), afirmando: “Seja o seu 'sim', 'sim', e o seu 'não', 'não'; o que passar disso vem do Maligno.” Jesus recomenda abandonar a heteronomia, quando se procura viver conceitos éticos que vêm de fora, e buscar a autonomia do pensar, ao se tratar os problemas éticos e morais derivados de dois condicionantes: 1) pensar por si mesmo em termos gerais e éticos; 2) alcançar independência interior suficiente para dirigir sua conduta conforme julgar correto frente às situações concretas.
Em linhas gerais, o que se conclui é que se vive o fenômeno que David Bohm (1917-1992), físico estadunidense de posterior cidadania brasileira e britânica, diagnosticou como a “doença do pensamento”.
Ora, ora, como os indivíduos, com as suas subjetividades contaminadas pela ideologia do capital, “fake news”, fanatismo e fundamentalismo religioso, negacionismo, obscurantismo, miséria, fome e sobrevivência, alcançarão a autonomia do pensar? Esse é o grande mal-estar da maior parte da sociedade brasileira, em detrimento do bem-estar de uma minoria que acumula riquezas dia a dia e vive nababescamente. Para alguns, a evolução do número de fiéis nas igrejas neopentecostais parte da busca de esperança na proteção divina, encontrada no acolhimento que essas crenças oferecem.
Muito difícil para que se alcance a
autonomia, que confesso, seria uma maneira de se promover uma revolução, a
partir do modo de pensar para se superar esse estado de coisas. Quem fez isso
com muita maestria foi o filósofo grego Sócrates (470 a.C - 399 a.C), que, quando
preso, acusado de corromper a juventude ateniense, na véspera da sua morte, um
dos amigos suplicou-lhe que aceitasse o plano de fuga elaborado. Porém, Sócrates
replicou: “A única coisa que importa é viver é honestamente,
sem cometer injustiças, nem mesmo a uma injustiça recebida.” Autonomia no pensar. Palavras e atitudes!
Gurdjieff (1912-1949) místico e mestre espiritual greco-armênio que ensinou a filosofia do autoconhecimento profundo, elaborou uma doutrina muito singular acerca do conhecimento de si, recomendada na questão n.º 919 de o (L.E.). Para Gurdjieff, o indivíduo só pode aproximar-se da verdade se todas as partes que constituem o ser humano: o pensamento, o sentimento e o corpo, são tocadas com a mesma força e da única maneira que convém a cada uma delas, sem isto, o desenvolvimento continuará sendo unilateral e, mais cedo ou mais tarde, deverá deter-se. A partir desse processo, a vida passará a ser real, e a pessoa poderá afirmar “Eu sou”. Assim, plenifica-se, ganha autonomia. Seu sim, é sim; seu não, é não. Trocou o ter pelo ser.
Senhor! Senhor!
Referências:
BUBER, Martin. Imagens do bem e do mal. Rio de Janeiro: Vozes, 1992;
GUATTARI, Félix. As três ecologias. São Paulo: Papirus, 1999.
GURDJIEFF, G. I. A vida só é real quando “eu sou”. São Paulo: Horus, 1975.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.
RIZZINI, Carlos T. Evolução para o terceiro milênio. Brasília: Edicel, 1990.
SÓCRATES. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
É uma questão importante, saber quem se é e o porquê. As verdades são múltiplas e as imposições também, então, como se autoconhecer em meio às turbulências do cotidiano. Eu sugiro que nunca percamos de busca compreender a realidade. Será ela que separará as verdades das mentiras.
ResponderExcluirOlá, Valnei!
ResponderExcluirBom ver você por aqui. Com certeza. A lucidez espírita mps proporciona essas condições. Jorge Luiz.
Mais um ótimo texto Jorge . Um facho de luz sobre as trevas que aumentam com as mentiras. E sim, é melhor ser do que ter.
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