terça-feira, 9 de julho de 2024

EU VIM PARA SERVIR...

 


  Por Jorge Luiz     

            Os leitores do blog Canteiro de Ideias, possivelmente, tenham observado que este resenhista vem dando destaques em seus artigos à temática das Igrejas Neopentecostais no Brasil. Isso é fato. Sem nenhuma identidade histórica com o cristianismo nascente, as seitas pentecostalistas têm sido instrumentalizadas pela política partidária através de algumas das suas lideranças, e esse crescimento desordenado até pelos propósitos conhecidos, também, tem atraído milícias, narcotráfico, ideias fascistas, e já dispõe uma bancada no parlamento que se destaca pela demanda desconstituída de nenhum valor cristão. A imersão dessa temática busca construir uma tomada de consciência de nós espíritas das reais ameaças que, à penumbra, avançam e ameaçam a sociedade como um todo.

            A principal justificativa para o crescimento das igrejas neopentecostais nas periferias brasileiras não é, tão somente, ligada à prosperidade financeira pregada pela Teologia da Prosperidade, mas, principalmente, segundo o pastor Ariovaldo Ramos, líder da Comunidade Cristã Renovada e fundador e coordenador nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, por duas situações, após reconhecer a invisibilidade dos residentes nessas comunidades, antes mais identificadas com as religiões de matriz africana. As situações que ele pontua são:

a)    O indivíduo começa a fazer parte de uma comunidade em que ele é tratado pelo próprio nome e há a escuta da sua história;

b)    A fé neopentecostalista enfatiza a manifestação divina através do fiel. Este, na sua caminhada, manifesta qualquer dom descrito com a presença de Deus e é levado imediatamente a uma posição de destaque na comunidade porque tem um dom, pois é um instrumento divino para abençoar outras pessoas.

Além disso, admite Ramos, “ele ganha dignidade pessoal porque é tido como filho de Deus; não é mais ser perdido no Universo, a serviço de uma máquina exploradora que vive à custa da mais-valia.”

      Não se pode esquecer que é dito haver iniciativas sociais envolvidas na  formação de grupos de jovens, com a inserção da arte e cultura.

É fato, contudo, que há um “empoderamento místico” e o profitente passa a ter uma relevância significativa no seio da sua comunidade. A partir desse empoderamento, o fiel passa a ser um líder em sua comunidade, e sem nenhuma formação teológica, boa parte dos pentecostais praticam uma hermenêutica equivocada e experiencial, diz Fernando Habitzreuter, na sua tese de conclusão do curso de Teologia das Faculdades Batista do Paraná. Citando o pastor Paulo Romeiro, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Mackenzie, ele diz que a “hermenêutica pentecostal” é a responsável pelas novas doutrinas e ensinamentos, os quais são utilizados com o intuito de angariar fundos e fiéis, e, por consequência, causando feridas espirituais que fazem parte de seus grupos religiosos. Nesse cenário, passam a ocorrer abusos que Habitzreuter classifica como “abusos espirituais”, que é a coerção, o controle e o uso abusivo das “Escrituras Sagradas”.

É uma inverdade e contradição, portanto, em  afirmar que o fiel deixa de não estar, mas a serviço da máquina exploradora capitalista pelo simples fato de ser um frequentador da igreja. Tudo isso possibilita identificar uma manipulação oportunista sobre essas comunidades que padecem de uma consciência cidadã e apela para Deus que mude os rumos de suas vidas.

            Vê-se, nesses fatores elencados, nenhuma propositura de natureza realmente cristã, nem mesmo na bancada chamada de Frente Parlamentar Evangélica no Congresso, que é integrada, também, por parlamentares católicos conservadores. As proposituras se circundam entre hábitos e costumes, tendo como parâmetro o Antigo Testamento, muito diverso do segmento confessadamente cristão no Brasil. O que se tem visto é que as iniciativas dos parlamentares buscam apenas benefícios para a categoria dos religiosos, nunca para a classe pobre dos brasileiros.

            Esse preâmbulo poderia ser mais amplo, mas acredito ser suficiente para o desenvolvimento da ideia que se propõe, que é elaborar um diálogo com o que se convencionou chamar de Promoção Social Espírita em seus resultados práticos.

            No primeiro momento, vê-se um lapso de memória ou descaso intencional de Ramos ao não se referir à presença dos espíritas nessas comunidades, já que a benemerência espírita é soberbamente conhecida pelos brasileiros.

            Inspirada no lema “Fora da Caridade não há Salvação”, a assistência social espírita foi criada pela Federação Espírita Brasileira (FEB), em 20 de abril de 1890, tornando-se o centro das atenções para a divulgação do Espiritismo.

            Na realidade, os espíritas são pioneiros nessa empreitada, já que somente através da Constituição Federal de 1988, no seu artigo n.º 203, a assistência social passa a ser dever do Estado e direito do cidadão.

            Essa temporalidade é de fundamental importância para se entender que o centro espírita sempre foi e continua sendo um espaço de acolhimento dos sujeitos onde a fraternidade é a bandeira de convivências. Aperfeiçoada pelas experiências passou-se a consorciar a assistência com a promoção social espírita, que sai do assistencialismo e passa a oferecer condições para que   indivíduo passe a superar as dificuldades econômicas, sociais, morais e espirituais em que momentaneamente se encontre, além de auxiliá-lo a ultrapassar as próprias limitações, reconhecendo que estas, embora sendo características de sua atual personalidade, possuem caráter transitório, uma vez que nenhum ser foi criado para o mal ou para o infortúnio.

            Somente nas dimensões da educação e da pedagogia espírita tivemos experiências de sucesso com Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco, Tomás Novelino e Ney Lobo. É possível ainda citar as obras assistenciais de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Aqui no Ceará, nesses dias, existe a obra social “Pão da Vida”, em Viçosa do Ceará, dirigida pelo confrade Everaldo Mapurunga, a qual deve ser conhecida por aqueles que ainda não a conhecem.

            As iniciativas na benemerência espírita somam-se às milhares replicadas pelos centros espíritas nos diversos rincões do Brasil, isto é indiscutível.

            As atividades de benemerência espírita não evoluem aleatoriamente. Desenvolvem-se seguindo presentes os conceitos filosóficos-espirituais bem definidos em suas obras básicas, essencialmente em “O Livro dos Espíritos” (L.E.) no livro III – As Leis Morais.  Sobre elas, Allan Kardec, na questão n.º 617 “a”, comenta: “As outras concernem especialmente ao homem e às suas relações com Deus e seus semelhantes. Compreendem as regras da vida do corpo e as da vida da alma: são as leis morais.”

            Na questão n.º 635 de o (L.E.), o mesmo Kardec faz as seguintes considerações: “As condições da existência do homem mudam segundo as épocas e os lugares, e disso resultam para ele necessidades diferentes e condições sociais correspondentes a essas necessidades. (...) Cabe à razão distinguir as necessidades reais das necessidades fictícias ou convencionais.”

            Todo o arcabouço doutrinário do Espiritismo capacita o espírita a dimensões éticas conscientes do homem como ser interexistencial que orbita os mundos físico e extrafísico, imortal e jornadeante através do tempo na esteira das vidas sucessivas, tendo Deus como Inteligência Suprema e causa primária de todas as coisas. Tudo isso favorece uma concepção espírita do mundo e do ser, favorecendo o ajuste às dinâmicas da vida, que é repassado aos acolhidos nas instituições espíritas.

            Os espíritas têm em Jesus o modelo e o guia, conforme está definido na questão n.º 625 de o (L.E.). Esse ensinamento já proporciona ao espírita um posicionamento diferenciado; uma conduta ética diante do próximo e da vida.

            Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no capítulo XXV,  Allan Kardec recomenda o não proselitismo, afirmando: “Não violenteis nenhuma consciência; não forceis ninguém a deixar a sua crença para adotar a vossa; não lanceis o anátema sobre os que não pensam como vós. Lembrai-vos das palavras de Cristo: antigamente o céu era tomado por violência, mas hoje o será pela caridade e a doçura.”

            Críticas existem nas iniciativas da promoção social espírita, principalmente pela acriticidade dos reais motivos que levam muitos brasileiros ao estado de miséria e invisibilidade. Todavia, o espaço espírita não foi tomado pelo partidarismo político, conduzido a processos de manipulação para favorecer essa ou aquela corrente política. Isto é motivo de júbilo para os espíritas, quando se analisa o quadro caótico dos pentecostalistas, coabitando com a política de extrema-direita, além de propósitos suspeitos e demandas criminosas em suas atividades.

            Afinal, Jesus afirmou (M, 10:45): “Pois nem mesmo o Filho do Homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos".

 

Referências:

DIP, Andrea. Em nome de quem? Rio de Janeiro: ABDR, 2018.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: Lake, 2007.

_____________. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.

 

SITE:

https://www.febnet.org.br/portal/wp-content/uploads/2019/07/WEB-Orienta%C3%A7%C3%A3o-a-Assistencia-e-Promocao-Social-Espirita.pdf

 


Um comentário:

  1. Leonardo Ferreira Pinto10 de julho de 2024 às 10:54

    Excelente texto que me deu alegria ao saber que o espaço espírita não está tomado pela politicagem tacanha que visa apenas benefícios para seus partidários. E que o trabalho social espírita continua atuante.

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