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O tempo é fugaz, e em fuga nem o espelho
apreende as tatuagens indeléveis que a vida insculpe no rosto em toda a
existência do Espírito, enquanto na dimensão física. José Luis Borges, poeta
argentino, diz que por
vezes à noite há um rosto que nos olha do fundo de um espelho(...). Esse
rosto está envelhecido na dinâmica da corrida pelo tempo, que sempre nos acaba,
sendo por ele vencido. Ah, se o espelho nos advertisse sempre! E, um certo dia,
como na canção do magnífico poeta brasileiro Cassiano, “A lua e Eu”, olha-se no espelho e se percebe velho e
acabado. Caso fosse possível, far-se-ia um pacto com o espelho para que ele
detivesse o tempo e a longevidade seria interrompida... seria?
Velhice! Idoso! Terceira idade! Melhor idade! Afora eufemismo e semântica, tudo tem origem nas subjetividades ideológicas de uma sociedade utilitarista, moldada na forma de mercadoria, que o velho deve ser descartado. Durante a pandemia de COVID-19, o grupo dos idosos foi estigmatizado como o subgrupo da espécie humana “marcado para morrer”. No Brasil isso foi flagrante. Nos Estados Unidos houve o exemplo simbólico de Dan Patrick, vice-governador do Texas, de 70 anos, que se ofereceu em sacrifício para salvar a economia. Segundo ele, os idosos deveriam ser sacrificados para que os netos pudessem trabalhar. Esse fenômeno foi conceituado e desenvolvido pelo historiador camaronês Achille Mbembe, professor da Universidade de Joanesburgo e da Duke University, nos Estados Unidos, como necropolítica.
Em outra direção, e com o crescimento exponencial da expectativa de vida para os velhos com poder aquisitivo de expressão, fizeram os antigos asilos serem substituídos pelas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), que têm caráter residencial e incluem os asilos e as casas de repouso. No Brasil, as mensalidades dessas instituições variam de seis a dez mil reais.
Sem um papel definido nos arranjos familiares da sociedade contemporânea, os velhos vão se sustentando ao sabor das suas capacidades e resiliências. O velho é, em grande parte, responsável pela sua própria situação na sociedade, na qual pode mantê-lo ou não, estreitamente ligada a ela (Kastenbaum, 1979). A esse respeito, o Espírito Joanna de Ângelis adverte que sob a análise psicológica, o idoso somente se distancia da vida ativa quando perde o encanto, a alegria de viver, e o desaparecimento das forças não lhe permite pensar. Eis que, preservando-se o pensamento ativo, tem-se oportunidade de manter-se útil, contribuindo positivamente em favor dos grupos familial e social. (Franco, 2000).
O homem tem o direito de repouso na velhice e o forte deve trabalhar pelo fraco; quando a família não tem capacidade de ampará-lo, passa a ser o dever da sociedade, aí está a lei da caridade. Ensinam os Espíritos (Kardec, 2000, questão nº 685 a e b).
A vida, a exemplo da Natureza e das suas estações, tem a velhice como o inverno da existência sendo demarcada com particularidades individuais, pelas vidas sucessivas, a exemplo das que o solstício de inverno realiza para os hemisférios e regiões. Difícil de definição, portanto.
Entende, pois, esse mediano resenhista, que a idade cronológica deve caminhar compatível com o amadurecimento espiritual do idoso, ou como queira se denominar, sob a presença do conhecimento de si mesmo, paradigma maior de se melhorar e evitar arrastamentos perniciosos que desaguem em sofrimento nessa fase da vida (Kardec, 2000, questão nº 919). Incapaz dessa realização, o ser humano, tendo na velhice a vizinha da morte, adquire o medo do enfrentamento das enfermidades e da própria morte.
Da civilização oriental surgem dois nomes que propiciaram uma visão otimista dos idosos e que perduram até hoje: filósofos Lao-Tsé e Confúcio. Lao-Tsé percebeu a velhice como um momento supremo, de alcance espiritual máximo, comentando que aos 60 anos de idade o ser humano atinge o momento de libertar-se de seu corpo através do êxtase de se tornar um santo. Confúcio acreditava que a autoridade da velhice é justificada pela aquisição da sabedoria, pregando que aos 60 anos o ser humano compreende, sem necessidade de refletir, tudo o que ouve; ao completar 70 anos, pode seguir os desejos do seu coração sem transgredir regra nenhuma, e que a sua maior ambição era que os idosos pudessem viver em paz e, principalmente, que os mais jovens amassem esses seres, e ele afirmava que não há nada no mundo tão grande como o ser humano; e, no ser humano, nada é maior que a piedade filial. (1)
Platão afirmava que a velhice faz surgir nos seres humanos um imenso sentimento de paz e de libertação. Já aos 80 anos, quando escreveu Leis, enfatizou as obrigações dos filhos para com os pais idosos, salientando que nada é mais digno que um pai e um avô, que uma mãe e uma avó, todos idosos. Essa preocupação de Platão com as obrigações dos filhos perante os pais idosos lembra a piedade filial descrita por Confúcio. (1)
Sabeis os mandamentos: não cometereis adultério; não matareis; não roubareis; não prestareis falso-testemunho; não fareis agravo a ninguém; honrai a vosso pai e a vossa mãe. (Mc,10:19; Lc, 18:20; S. Mt, 19:18-19.). “Honrai a vosso pai e a vossa mãe” é um corolário da lei geral de caridade e de amor ao próximo, visto que não pode amar o seu próximo aquele que não ama a seu pai e a sua mãe; mas o termo “honrai” encerra um dever a mais para com eles: o da piedade filial (Kardec, 2007, cap. XIV).
Devem, pois, os filhos tomar como regra de conduta para com seus pais todos os preceitos de Jesus concernentes ao próximo e ter presente que todo procedimento censurável, com relação aos estranhos, ainda mais censurável se torna relativamente aos pais; e que o que talvez não passe de simples falta, no primeiro caso, pode ser considerado um crime, no segundo, porque, aqui, à falta de caridade se junta a ingratidão (idem).
Na construção familiar, também ocorre, em não poucas ocasiões, de os idosos serem empurrados para os porões, os quartos dos fundos dos lares confortáveis, e proibidos de aparecerem para não causarem constrangimentos aos filhos, saudáveis e ingratos, desfilando nas reuniões domésticas da ilusão com os seus amigos...
Todos, porém, envelhecem, enfermam e morrem – é lei da vida.
Os avós, na família, são bênçãos de amor que nunca devem se transformar em focos de dissenção ou de malquerença, diz o Espírito Joanna de Ângelis. (Franco, 2008)
Infelizmente, no Brasil, muitos idosos são abandonados pelos filhos, em seus lares, deixados em asilos, e pasmem, muitos não recebem visitas de filhos ou parentes. A velhice torna-se solidão e sofrimento.
Referências:
FRANCO, Divaldo. Constelações familiares. Salvador: Leal, 2008.
_____________. O despertar do espírito. Salvador: Leal, 2000.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: Lake, 2007.
_____________. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.
KASTENBAUM, Robert. Velhice, anos de plenitude. São Paulo: Happer & Row do Brasil, 1979.
SITES:
(1) file:///C:/Users/Jorge%20Luiz/Downloads/afatima,+1051-4190-1-PB.pdf
https://portaldoenvelhecimento.com.br/a-necropolitica-e-os-idosos-em-tempos-de-covid-19/
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